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João da Silva

AUTOR

MATHEUS BAZZI

Advogado Criminalista. Pós-graduando em Direito e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduando em Advocacia Criminal pela Escola Superior da Advocacia. Pesquisador regular do Grupo de Pesquisa Sobre o Grande Encarceramento (GPGE-UFMT). Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCcrim. Membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas - ABRACRIM. Sócio do escritório BAZZI ADVOGADOS.
O DIREITO AO SILÊNCIO NA ABORDAGEM POLICIAL
Em cumprimento de um mandado de busca e apreensão na residência de um cidadão, contra quem existe investigação pela prática de determinados crimes. Durante a diligência, os policias decidem “entrevistar” o cidadão, ficticiamente denominado João da Silva, realizando perguntas a respeito dos crimes, com a finalidade de aclarar a investigação.
 
A entrevista é documentada e utilizada como elemento informativo para ser usado no oferecimento da denúncia, demonstrando a justa causa para a ação penal.
 
Note-se que a entrevista foi completamente informal, na medida em que João da Silva não estava acompanhado de advogado e muito menos foi informado do seu direito de não produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere), previsto na Constituição Federal, na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, respectivamente:
 
CF, “art. 5º (...) LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.”
 
CADH, “art. 8.2 (...), g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.”
 
PIDCP, “art. 14.3 (...) g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.”
 
É sabido que, no cumprimento de um mandado de busca e apreensão, o investigado/acusado pode ver-se intimidado com a mera presença dos agentes policiais em sua residência, o que o leva a responder aos questionamentos de forma não inteiramente voluntária.
 
Caso semelhante bateu à porta do Supremo Tribunal Federal, na Reclamação n.º 33711, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, sendo decidido que tal situação viola o direito ao silêncio e à não autoincriminação. Veja-se:
 
Reclamação. 2. Alegação de violação ao entendimento firmado nas Arguições de Descumprimento de Preceitos Fundamentais 395 e 444. Cabimento. (...) 3. Reclamante submetido a “entrevista” durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão. Direito ao silêncio e à não autoincriminação. Há a violação do direito ao silêncio e à não autoincriminação, estabelecidos nas decisões proferidas nas ADPFs 395 e 444, com a realização de interrogatório forçado, travestido de “entrevista”, formalmente documentado durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão, no qual não se oportunizou ao sujeito da diligência o direito à prévia consulta a seu advogado e nem se certificou, no referido auto, o direito ao silêncio e a não produzir provas contra si mesmo, nos termos da legislação e dos precedentes transcritos 4. A realização de interrogatório em ambiente intimidatório representa uma diminuição da garantia contra a autoincriminação. O fato de o interrogado responder a determinadas perguntas não significa que ele abriu mão do seu direito. As provas obtidas através de busca e apreensão realizada com violação à Constituição não devem ser admitidas. (...) (Rcl 33711, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/06/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-184 DIVULG 22-08-2019 PUBLIC 23-08-2019)
 
O reconhecimento da invalidade dessa “entrevista” culmina não somente em sua nulidade, mas também nas provas que dela derivaram, conforme art. 5º, LVI, CF/88 e art. 157, §1º, CPP, sendo necessário desentranhar tal documento do processo, pois inadmissível.
 
Na lição de Alexandre Morais da Rosa, a ausência de advertência expressa sobre o direito de permanecer em silêncio, impede que o conduzido seja indagado sobre o conteúdo da prisão, sob pena de nulidade.[1]
 
Diante disso, é preciso pensar numa ideia de descrença do poder e na regularidade de seus atos. Nenhum poder é bom, essa é a necessária premissa garantista. Isso implica diretamente na exigência de os agentes policiais comprovarem a regularidade de seus atos, não bastando que documentem que “o indiciado foi informado de seus direitos”, isso deve ser cabalmente comprovado.
 
Por esse caminho, Salo de Carvalho ensina que:
 
“A crença na regularidade dos atos do poder, sobretudo do poder punitivo (potestas puniendi), define a postura disforme dos sujeitos processuais, estabelecendo situação de crise através da ampliação da distância entre as práticas penais e a expectativa democrática da atividade jurisdicional. O reflexo concreto é a violação explícita ou a inversão do sentido garantista de interpretação e de ampliação das normas de direito e de processo penal, revigorando práticas autoritárias. ”[2]
 
Conclusivamente, somente com a inversão da ideia de regularidade dos atos do poder é que será possível afastar as práticas autoritárias inerentes à essência própria das estruturas de poder.






NOTAS

[1] ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 4. ed. rev. atual. E ampl. Florianópolis: Empório do Direito, 2017 p. 441.

[2] CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. 6. ed. rev. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2015. p. 164.

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